terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Veja na integra o posicionamento oficial das Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) sobre rastreio de câncer de próstata

O documento foi elaborado para esclarecer informações divulgadas por uma operadora de planos de saúde que podem levar a interpretações equivocadas sobre este importante tema.



Segue o texto na íntegra (versão em PDF):

Posicionamento Oficial da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) – Rastreio de Câncer de Próstata

É reconhecido que o rastreio universal do câncer de próstata pelo exame digital retal e pela medida do antígeno prostático específico (PSA) no sangue é controverso e que a literatura traz dados conflitantes, especialmente com relação aos prejuízos potenciais versus impacto na mortalidade.

O PSA é o marcador mais utilizado para diagnóstico de câncer de próstata, mas sua utilidade clínica foi questionada devido à sua baixa especificidade, especialmente quando em níveis entre 2 e 10 ng/mL. A utilização do PSA em larga escala estaria propiciando o sobrediagnóstico e indução ao tratamento excessivo, uma vez que alguns casos de câncer que não evoluiriam de forma agressiva, não colocando a vida do paciente em risco. Esta situação se deve, principalmente, ao fato de que a medida isolada do PSA não fornece informação suficiente para se avaliar o grau de agressividade do eventual tumor existente.



Realmente, em 2012, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (US Preventive Services Task Force – USPSTF), se manifestou contra a medição do PSA com a finalidade de triagem populacional para o câncer de próstata, para homens de qualquer idade. Naquela ocasião, a USPSTF baseou suas recomendações nos resultados conjuntos de dois estudos: o European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC)1 e o US Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian Cancer Screening Trial (PLCO)2. Estes estudos indicavam que a triagem com a medida de PSA podia prevenir a morte por câncer de próstata de um número muito reduzido de pacientes, sempre havendo o risco da ocorrência de resultados falso positivos.

Em 2017, porém, a USPSTF publicou novas recomendações, indicando que, mesmo os médicos não especialistas, devem apresentar aos homens com idade entre 55 e 69 anos os potenciais riscos e benefícios envolvidos no rastreio do câncer de próstata e apenas realizar a triagem naqueles que, após esclarecimentos, desejarem realizar o teste. Esta nova posição é consistente com as orientações oferecidas pela American Urological Association (AUA) e pela American Cancer Society (ACS)3.

Mais recentemente, em maio de 2018, a própria USPSTF4 reconheceu que ensaios clínicos randomizados mostram que os programas de rastreamento baseados na medida do PSA em homens com idade entre 55 e 69 anos podem evitar cerca de 2 mortes por câncer de próstata a cada 1000 homens testados. Os programas de triagem também podem prevenir cerca de 3 casos de câncer de próstata metastático por 1000 homens testados. É importante referir que casos de câncer mestastático é condição clínica muito mais delicada, exigindo cuidados específicos, mais custosos e reduzida chance de cura, perda de qualidade de vida e elevada taxa de mortalidade.

Os danos potenciais da triagem incluem eventuais resultados falso-positivos. O que tem sido supervalorizado, no entanto, são os danos do tratamento cirúrgico (prostatectomia) os quais incluem disfunção erétil, incontinência urinária e sintomas intestinais. Cerca de um em cada cinco homens que se submetem à prostatectomia radical desenvolvem incontinência urinária e dois em três homens experimentam disfunção erétil a longo prazo.

A partir destas informações, a USPSTF concluiu que, para homens com idades entre 55 e 69 anos, a decisão de se submeter à triagem periódica baseada na medida do PSA deve ser individual e deve incluir a discussão dos possíveis benefícios e danos da triagem com seu médico. Ao determinar se o exame é apropriado em casos individuais, os pacientes e médicos devem considerar o equilíbrio de benefícios e danos com base na história familiar, raça/etnia, condições médicas e comorbidades.

Cabe lembrar que este intervalo etário é relativo a indivíduos sem história familiar de câncer de próstata e que não está recomendado o rastreamento em homens com 70 anos de idade ou mais.

A baixa especificidade do PSA total estimulou a pesquisa de novos marcadores que pudessem complementa-lo para o diagnóstico precoce daqueles cânceres, além de, eventualmente, caracterizar os processos que apresentassem comportamento mais agressivo.

Com a finalidade de melhorar o poder diagnóstico deste marcador, Catalona apresentou o conceito de Densidade do PSA5. Este parâmetro consiste na relação matemática entre a concentração do PSA sérico e o volume prostático, avaliado por ultrassom transretal. O racional deste conceito é que indivíduos com glândula prostática maior poderiam ter concentrações mais elevadas de PSA em circulação.

Outro recurso é considerar a Velocidade do PSA6, que é a variação da concentração do marcador ao longo do tempo. Aceita-se como adequada uma elevação na concentração do PSA da ordem de 0,35 ng/dL por ano, quando o PSA total estiver entre 4,1 e 10,0 ng/mL.

A relação PSA livre sobre PSA total acrescenta especificidade ao diagnóstico de câncer de próstata. O racional deste conceito se baseia na observação de que pacientes com hiperplasia benigna da próstata produzem mais PSA livre do que os pacientes com processos neoplásicos. Dessa forma, a relação PSA livre/total é menor em casos de adenocarcinoma.

Recursos diagnósticos mais atuais incluem a dosagem de isoformas do PSA, especialmente da PSA [-2] proPSA, identificada como p2PSA, que tem sido proposta como auxiliar para melhorar a detecção de câncer prostático nos pacientes com PSA total entre 2 e 10 ng/mL7 e exame digital retal normal8.

Adicionalmente, foi desenvolvido um índice denominado PHI, do inglês Prostate Health Index, que relaciona, matematicamente os resultados das medidas da isoforma p2PSA, do PSA total e da fração livre do PSA9.

O PHI é calculado pela fórmula (p2PSA / fPSA × √tPSA). Os valores de p2PSA e o PHI são maiores em pacientes com câncer prostático do que nos pacientes com hiperplasia prostática benigna e com prostatite8 e alguns estudos têm mostrado que tanto o p2PSA como o PHI estão associados à maior probabilidade de o câncer ser mais agressivo10, podendo este exame indicar ou contraindicar a realização de biópsias em até 30% dos casos.

Referências

Schröder FH, and Bangma CH – The European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC) British J Urology. 1997; 79(1):68- 71.

Andriole GL, Crawford ED, Grubb 3rd, Buys SS, Chia D, Church TR, et al. – Prostate Cancer Screening in the Randomized Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian Cancer Screening Trial: Mortality Results after 13 Years of Follow-up.J Natl Cancer Inst. 2012; 104(2):125-32. https://doi.org/10.1093/jnci/djr500.

Ong M, Mandl KD – Trends in prostate-specific antigen screening and prostate cancer interventions 3 years after the U.S. Preventive Services Task Force recommendation. Ann Intern Med. 2017; 166:451-2.

Grossman DC, Curry SJ, Owens DK, Bibbins-Domingo K, Caughey AB, Davidson KW – US Preventive Services Task Force – Screening for Prostate Cancer: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. 2018; 319(18):1901-13. doi: 10.1001/jama.2018.3710.

Catalona WJ, Partin AW, Slawin KM, Brawer MK, Flanigan RC, Patel A, et al. – Use of the percentage of free prostatic-specific antigen to enhance differentiation of prostate cancer from benign prostatic disease. JAMA. 1998; 279:1542-7.

Carter HB, Ferrucci L, Kettermann A, Landis P, Wright EJ, Epstein JI, et al. -Detection of life-threatening prostate cancer with prostate-specific antigen velocity during a window of curability. J Natl Cancer Inst.2006; 98(21):1521-7.

Hori S, Blanchet, JS, McLoughlin J – From prostate-specific antigen (PSA) to precursor PSA (proPSA) isoforms: a review of the emerging role of proPSAs in the detection and management of early prostate cancer. BJU Int. 2013; 112:717–28.

Lazzeri M, Abrate A, Lughezzani G, Gadda GM, Freschi M, Mistretta F, et al. – Relationship of chronic histologic prostatic inflammation in biopsy specimens with serum isoform [−2] proPSA (p2PSA), %p2PSA, and prostate health index in men with a total prostate-specific antigen of 4–10 ng/ml and normal digital rectal examination. Urology. 2014;83: 606-12.

Loeb S and Catalona WJ – The Prostate Health Index: a new test for the detection of prostate cancer. Ther Adv Urol. 2014;6(2):74–7. doi: 10.1177/1756287213513488.

Wang W, Wang M, Wang L, Adams TS, Tian Y & Xu J – Diagnostic ability of %p2PSA and prostate health index for aggressive prostate cancer: a meta-analysis. Scientific reports 2014 | 4: 5012 |DOI:10.1038/srep05012.

Novembro/2018

Publicado em 14/11/2018

fonte SBPC/ML: http://www.sbpc.org.br/noticias-e-comunicacao/posicionamento-da-sbpcml-e-sbu-sobre-rastreio-de-cancer-de-prostata/